REGRESSO... Ana Fonseca da Luz

Preparo o meu regresso num misto de expectativa e tristeza. Está-se tão bem aqui… O meu eu é finalmente pleno e incondicional. A minha existência é agora toda e só minha. Mas eu sabia que este dia haveria de chegar. Quando cheguei, logo soube que teria de regressar. No momento, pareceu-me o mais correcto, porque sabia que ainda havia muito para aprender. No entanto, agora, agora que o momento do meu regresso se aproxima, alguma coisa, alguma força que faz sentido, me diz que sim, que aqui é o meu lugar. Mas não é… Ainda não é… O tempo escorre-me entre os dedos como se fosse areia e, afinal, percebo que aqui o tempo não tem tempo a perder, porque simplesmente não existe. Contemplo toda esta passividade que me cerca e percebo que valeu a pena ter percorrido tantos caminhos, tantos tempos, tantas intensidades, tantas ausências e expectativas, para poder, finalmente, ser merecedora desta breve eternidade que, dentro em pouco, voltarei a perder. Cai-me do olhar um oceano de lágrimas, quando lembro todos os que deixei e que sei que ainda hoje choram a minha ausência. Se ao menos eu lhes pudesse dizer que estou bem!… Se eles ao menos conseguissem perceber que lá, onde eu já estive tantas vezes, e aquilo a que chamamos vida, não é senão uma escola e apenas um lugar de passagem e de aprendizagem… Também eu muito chorei pelos que perdi, porque lá, tudo se esquece, para que se possa errar, até acertar. Como são intensos os cheiros aqui! Como é bonita a claridade, como é arrebatadora a música! E ainda há quem diga que não há anjos! E ainda há quem duvide da eternidade da nossa alma!… E ainda há quem duvide de que Deus está em todo o ser humano! Aqui, não há pressa. Ninguém sabe onde começa e onde acaba o amor, porque aqui realmente tudo é amor. Absorvo tudo com o meu olhar e o infinito cabe-me na palma da mão. Não quero regressar. Em vão peço para ficar. Sou apenas uma principiante. Apesar de já ter passado por aqui e por aquilo a que chamamos vida terrena várias vezes, a minha viagem está apenas no princípio. A minha alma enaltece-se, quando me dizem que há-de chegar o dia em que já não vou precisar de regressar. Que um dia, esta eternidade que agora me é passageira, será para sempre minha. Entretanto, o céu enche-se de novas cores e todas as cores têm cheiros. Por razões que desconheço, vem-me à memória um poema de Sophia de Mello Breyner que começa assim: ”Esta é a madrugada que eu esperava, o dia inicial inteiro e limpo onde emergimos da noite e do silêncio, e livres habitamos a substância do tempo…” Esta madrugada, matizada de violetas e marfins, é realmente a que eu esperava, para livre habitar um tempo novo que me espera. Fico mais um bocadinho… Aguardo, paciente, o regresso a esse carrossel a que chamamos vida e tento, embora sabendo que é em vão, encher os meus olhos de toda esta quietude e infinito que vivi aqui durante um tempo que não consigo contabilizar, simplesmente porque o tempo, aqui, não se pode medir. Aqui, nunca é tarde nem cedo. Aqui é simplesmente o agora. Aqui só há presente e é assim que se vive. Um presente pleno, inimaginável e belo. Tal como eu, muitos mais esperam a sua vez de regressar. E a expectativa de um regresso que não é desejado desenha-se no rosto de cada um, porque aqui somos tão felizes! A ligeireza da nossa existência aqui sobrepõe-se a tudo e a todos que deixámos para trás. Finalmente, sinto que chega a minha hora. Sinto-me como se estivesse para morrer. Como se o meu renascimento fosse a minha morte. Como se começar de novo fosse a pior coisa que me pudesse acontecer. De um abraço profundo entre um homem e uma mulher que realmente se amam, de uma semente lançada no ventre fértil e envolvente, renasço, porque é preciso. E, nesse ventre quente e aconchegante, cresço, desenvolvo-me e esqueço o sítio maravilhoso onde fui feliz em toda a plenitude. Espera-me uma vida nova de aprendizagem, de conflitos, de perdas e de ganhos, de amar e de ser amada. Espera-me uma nova partida e um novo regresso, até ao dia em que, finalmente, não será preciso regressar… A. Luz

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